“Sete dias oferecereis ofertas queimadas ao Eterno; no oitavo haverá santa convocação para vós, e oferecereis ofertas queimadas ao Eterno; é dia festivo no qual D’us vos retém (Atseret), nenhuma obra servil fareis”. (Levítico, 23:36)
Fonte: Revista Morashá - Edição 77 - Agosto de 2012
Shemini Atseret, celebrado no 22o dia do mês judaico de Tishrei – o dia depois da festa de sete dias de Sucot – é a festividade mais alegre do calendário judaico. Shemini Atseret significa o “oitavo [dia] de assembleia”, o que leva muita gente a crer, erroneamente, que este dia sagrado seja o oitavo dia de Sucot. Na realidade, esta festa é “um dia sagrado por seu próprio mérito” (Talmud, Sucá, 48a). É uma festividade independente, e é por isso que recitamos a bênção de Shehecheianu – que é recitada, entre outras razões, sempre que recebemos uma nova festividade, bíblica ou rabínica – após a recitação do Kidush noturno.
Mas, apesar de ser uma festividade por si só, não se pode negar que Shemini Atseret, como seu próprio nome indica, está associado com Sucot. O Talmud descreve essa festa como Yom Tov Acharon shel Chag – o último dia festivo da festa de Sucot. Isto significa que as obrigações de Simchá (alegria) de Sucot e a recitação do Hallel também se aplicam a Shemini Atseret, e é por isso que nos referimos a ambas as festas como Zman Simchatenu – “época de nosso júbilo”.
A natureza dupla de Shemini Atseret, isto é, o fato de fazer parte de Sucot e de ser uma festa independente, reflete-se na forma de se cumprir os mandamentos desse dia e nos costumes relativos ao mesmo. A maioria das comunidades continua a comer na Sucá nessa festa. No entanto, como a data não faz parte da semana de Sucot, a bênção “LeShev BaSucá” (de “habitar na Sucá”) não é recitada. Ademais, é proibido dormir nas cabanas para evitar a impressão de que estamos considerando Shemini Atseret o oitavo dia da festa de Sucot. Para enfatizar que Shemini Atseret é uma data independente, algumas comunidades fazem Kidush na Sucá, mas comem a refeição principal fora dela.
Outra grande diferença entre as duas festas é que em Shemini Atseret não se aplica o mandamento das quatro espécies – lulav, etrog, hadass e aravá. Nessa festa, os arbaat haminim são considerados muktzê – nem devem ser tocados – a fim de que não se pressuponha que esse mandamento pode ser cumprido em Shemini Atseret.
Na Diáspora, Shemini Atseret é celebrado durante dois dias. O segundo dia é a famosa festa de Simchat Torá, na qual se completa o ciclo de leitura anual da Torá e se dança com os rolos sagrados. Em Israel, as duas festas são uma única, celebradas no mesmo dia.
O mandamento de Shemini Atseret
Como mencionamos acima, a festividade de Shemini Atseret é celebrada durante dois dias na Diáspora. O segundo dia é Simchat Torá. Mas, enquanto a maioria dos judeus conhece esta festa e muitos vão à sinagoga para dançar com os Sifrei Torá, poucos conhecem a de Shemini Atseret. A razão para isso talvez seja o fato de que a festa não envolva um ritual como o toque do shofar, comer matzá, o acender de velas ou as quatro espécies. E mesmo assim, ironicamente, como veremos, Shemini Atseret deveria ser a festividade mais celebrada do calendário judaico: pois apesar de não ter nenhum dos famosos rituais que marcam as outras datas judaicas, essa festa é caracterizada por dois temas, interligados, que são fundamentais para o judaísmo – o nosso íntimo relacionamento com D’us o nosso sentimento de grande alegria que tal intimidade deve evocar em nós.
Um dos princípios básicos da Torá – na realidade, um de seus mandamentos explícitos – é que devemos servir a D’us com alegria. O entendimento de que a Torá e seus mandamentos servem de interface entre o Infinito e o mundo finito que Ele criou deve infundir o serviço Divino praticado pelo Povo Judeu com um sentido de propósito e entusiasmo. Quando a pessoa percebe que ao realizar qualquer dos mandamentos Divinos ela se conecta com o Infinito e o Eterno, ela verá a Torá não como um peso, mas um privilégio. O mandamento que nos ordena servir a D’us com alegria não é uma imposição sobre nossa emoção, mas uma consequência inevitável da percepção do propósito supremo da Torá. Daí a razão de recitarmos todas as manhãs uma berachá agradecendo a D’us por nos ter escolhido dentre todos os povos do mundo para receber Sua Torá.
O mandamento de servir a D’us com alegria é, pois, um princípio fundamental e universal da Torá. É essencial a todas as datas sagradas do judaísmo e, especialmente, às festas de Sucot e Shemini Atseret, chamadas de “Zman Simchatenu” – “época de nosso júbilo”. Mas, em questão de alegria, Shemini Atseret até deveria ultrapassar Sucot. E a razão para tanto é que, como nos ensina o Talmud, em questão de santidade, sempre temos que ascender, jamais descender. Explicamos acima que no que concerne ao mandamento do júbilo, Shemini Atseret é o oitavo dia de Sucot. Como Shemini Atseret segue Sucot, e como em questões de santidade nunca diminuímos nem ficamos estacionários, mas sempre aumentamos, o mandamento de nos rejubilarmos se aplica ainda mais intensamente em Shemini Atseret do que nos sete dias de Sucot que antecedem.
Um dia singular para um povo singular
Explicando a singularidade da festa de Shemini Atseret, nossos Sábios contam a seguinte parábola: certa vez um rei organizou um grande festim e convidou seus filhos para o palácio. Passaram a semana juntos – compartilharam as refeições e desfrutaram da companhia uns dos outros. Quando chegou a hora dos filhos partirem, o rei lhes disse: “Por favor, fiquem comigo mais um dia; me é muito difícil separar-me de vocês!”
Durante a semana de Sucot, passamos tempo com o Rei dos Reis, em Seu palácio. Passamos tempo na Sucá, onde, segundo a Cabalá, paira a Shechiná, a Presença Divina. Durante os sete dias de Sucot, muitos judeus vão à sinagoga cumprir o mandamento das quatro espécies, e têm deliciosas refeições sob a Sucá, em cumprimento ao mandamento de nos rejubilarmos nessa festa. Mas muitos que visitam o Rei em Seu palácio durante os dias festivos do mês de Tishrei –Rosh Hashaná, Yom Kipur e Sucot – demoram a voltar... Portanto, D’us nos deu uma data sagrada adicional, Shemini Atseret, para que possamos ficar um dia a mais – dois na Diáspora – em Sua Presença. Espera-se que a alegria e a inspiração que veem à tona durante os dias de Shemini Atseret e Simchat Torá inspirem o Povo Judeu a servir a D’us com júbilo ao longo de todo o ano, fortalecendo, assim, sua conexão com o Todo Poderoso e com a Sua Torá.
Em Rosh Hashaná e Yom Kipur, os temíveis dias do julgamento Divino, D’us atua basicamente no papel de Rei do Universo: Ele é mais Rei do que Pai. Mas quando Sucot, “época de nosso júbilo”, se inicia, a bondade e misericórdia Divinas ficam mais aparentes: Ele age conosco mais como Pai do que como Rei. Como os pais amam seus filhos mais do que os filhos amam seus pais, podemos melhor entender a parábola do rei e seus filhos, acima.
Muitos de nós somente vamos ao palácio do Rei quando queremos algo d’Ele ou particularmente durante momentos críticos no ano, quando Ele nos convoca. Mas, após receber aquilo que queríamos, ou depois de terminada a convocação, deixamos o palácio real e não nos sentimos tristes por fazê-lo. Mas para o Rei, que também é Pai, cada dia que Seus filhos veem visitá-Lo, é motivo de grande júbilo. Assim sendo, quando estamos para deixá-Lo, Ele nos pede para ficar a Seu lado mais um dia. Nesse dia adicional, não temos que realizar nenhum mandamento: tocar o shofar, jejuar, comer matzá ou sacudir as quatro espécies. Tudo o que temos que fazer é nos rejubilar com nosso Pai, falando com Ele através de nossas orações, ouvindo-O através de nosso estudo da Torá, e participando de refeições festivas que sirvam para aumentar nossa alegria, desta forma fortalecendo nossa ligação com Ele.
Mas há um significado mais profundo na parábola do rei e seus filhos. Nossos Sábios indicam que na época do Templo Sagrado, durante a festa de Sucot, 70 touros eram sacrificados para expiar pelos pecados das nações do mundo. Esses animais eram oferecidos para atrair as bênçãos Divinas sobre os povos. Em Shemini Atseret, somente um touro era ofertado. E representava uma única nação – o Povo de Israel. Segundo nossos Sábios, o número de sacrifícios ofertados em cada uma das duas festividades revela que Sucot é uma festa judaica com uma mensagem universal, ao passo que Shemini Atseret tem uma mensagem exclusivamente judaica. Em Sucot, os touros que eram sacrificados representavam todas as nações do mundo que iam ao palácio do Rei. Ao término daqueles sete dias, todos voltavam para suas casas. Mas quando um dos filhos estava para partir, o Rei volta-se para ele e diz: “Gostaria que você ficasse no palácio, um dia mais, para que pudéssemos ficar juntos, apenas você e Eu”. Daí o dia festivo adicional, Shemini Atseret, e o único touro que era ofertado nesse dia.
O natural e o sobrenatural
O fato de que Sucot é uma festa de sete dias e que Shemini Atseret é chamada de “oitavo dia”, ainda que seja uma festividade independente, é profundamente significativo. No judaísmo, o número sete representa um ciclo natural. D’us criou o mundo em sete dias, cada um correspondendo a uma das sete Sefirot emocionais, e é por isso que uma semana – que é um ciclo básico e fixo de tempo – é composta de sete dias. Muitos dos mandamentos do judaísmo são associados com o número sete: o Shabat, o ano sabático, as Sheva Berachot (os sete dias de júbilo após o casamento) e outros.
E o que representa o número oito? Aquilo que está acima do natural: o sobrenatural. Chanucá, por exemplo, é celebrado durante oito dias por causa do milagre sobrenatural do azeite. De modo similar, o Brit Milá ocorre no oitavo dia do nascimento de um menino porque simboliza a conexão sobrenatural entre os judeus e D’us.
Mas, diferentemente de Chanucá, que é uma data sagrada rabínica – pois celebra eventos que ocorreram muito depois da outorga da Torá – Shemini Atseret é a única festividade bíblica associada ao número oito. Pessach dura sete dias – pois o oitavo só é celebrado na Diáspora. Shemini Atseret, na qual somente um touro, representando o Povo de Israel, era ofertado no Templo Sagrado, nos ensina, assim como o Brit Milá, que nossa conexão com D’us transcende todas as limitações.
Os dois temas subjacentes a Shemini Atseret – o júbilo e a conexão íntima e sobrenatural do Povo Judeu com D’us – são entrelaçados. A Cabalá ensina que o júbilo rompe todas as fronteiras: permite que a pessoa transcenda todas as barreiras e obstáculos do mundo natural e atinja objetivos sublimes – seja no âmbito material seja no âmbito espiritual. Esse conceito foi ensinado por um grande sábio, cabalista e obrador de milagres, o Rabi Shmuel Schneerson, quarto Rebe da dinastia Chabad-Lubavitch. Rabi Shmuel ensinava: “O mundo diz: ‘Se você não pode passar por baixo de um obstáculo, salte por cima dele. Mas eu digo: Em primeiro lugar, salte por cima dele”! Esse conceito de pular por cima dos obstáculos é o que Shemini Atseret nos transmite: que por força de nossa alma e nossa conexão com D’us, temos o poder de transcender o mundo natural e todos os seus limites e limitações. Quando servimos a D’us com alegria, conseguimos saltar os obstáculos.
Segundo o judaísmo, além de representar o milagroso, o número oito também simboliza a perfeição. Outra razão para o Brit Milá se realizar no oitavo dia é porque um dos vários propósitos da circuncisão é “completar” ou instilar o potencial de perfeição no ser humano. Um dos significados de “Atseret” é “reter” – reter algo para levá-lo ao seu estado de inteireza ou perfeição. Assim sendo, o nome Shemini Atseret significa o oitavo dia, que é o dia adicional que leva o sétimo dia de Sucot a seu estado de perfeição. E essa é mais uma razão para representar o clímax do júbilo, mais ainda do que Sucot: porque representa um estado de perfeição do júbilo.
O preceito e a promessa de júbilo
“Bayom haShemini (no oitavo dia) será uma Atseret (assembleia) para vocês” (Pinchas, 29:35).
O Santo, Bendito é Ele, disse a Israel: “No dia de Shemini Atseret vocês e Eu rejubilaremos juntos”. Ao ouvir isso, Israel exaltou o Todo Poderoso, e disse: “Este é o dia com que nos brindou o Eterno e nele nos alegraremos e nos regozijaremos!” (Salmos, 118:24). "Rabi Abin disse: 'Não sabemos se esse júbilo se refere ao dia ou a D’us'. Então, veio (o Rei) Shlomó e explicou: ' Em Ti nos regozijaremos e nos alegraremos...' (Cânticos, 1:4): ‘Em Ti’ – isto é, em Tua Torá; ‘Em Ti’ - isto é, em Tuas salvações”. (Pessikta de R. Kahana, seção 30)
Como dissemos acima, Shemini Atseret, diferentemente de outras festas do calendário judaico, não possui ritual especial – exceto um: Simchá, uma alegria extraordinária. O mandamento da Simchá desse dia é ordenado na própria Torá, no versículo: “E serás somente jubiloso” (Re’ê 16:15).
Nossos Sábios observam que esse versículo não é apenas um preceito, mas também uma promessa Divina: “Se cumprires o mandamento de Simchá, tens a garantia de que serás jubiloso para sempre”.
Conta-se a história de um renomado Tzadik, um verdadeiro justo, que quando criança, certa vez pediu a seu pai uma maçã, que lhe foi negada. A precoce criança rapidamente recitou a bênção apropriada para uma maçã. O pai, não querendo que o filho fosse culpado por ter recitado uma berachá em vão, com o nome de D’us, não teve escolha senão dar prontamente uma maçã ao filho...
Essa história se aplica à mensagem subjacente de Shemini Atseret. Se nessa data festiva nós nos alegrássemos como nos ordena a Torá, com fé absoluta de que D’us nos dará a todos, individual e coletivamente, um ano bom e doce, esta alegria por si só levaria nosso Pai Celestial a atender os desejos fervorosos de Seus filhos, não permitindo que nossos desejos e o cumprimento do mandamento de sermos felizes, tenham sido em vão.
Shemini Atseret e a Redenção Messiânica
Shemini Atseret é também uma festividade cujo tema é o júbilo porque alude à utopia de que os seres humanos sempre sonharam: o dia da alegria duradoura para todos.
Outro significado do termo Atseret é “final, encerramento”, já que Shemini Atseret é a conclusão das festas bíblicas iniciadas em Pessach. O renomado místico e comentarista, Rabi Abraham Saba (final do séc. 15), escreveu que o número oito de Shemini Atseret (“o oitavo dia”) refere-se às oito potências mundiais que oprimiram o Povo Judeu. Assim, “Como este oitavo dia indica o fim de todas essas potências, está escrito, ‘No Oitavo Dia será Atseret para vós’, para aludir ao fato de que esse é o dia de nossa salvação, o dia de nossa redenção e salvação de nossas almas” (Tzror Hamor, Pinchas 29:35).
As festividades bíblicas celebram eventos do passado de nosso povo: Pessach celebra nossa libertação da escravidão egípcia; Shavuot, a entrega da Torá; e Sucot, os 40 anos em que os Filhos de Israel vagaram pelo deserto sob a proteção da Sombra do Todo Poderoso.
Shemini Atseret, por outro lado, celebra um evento futuro – o mais esperado de toda a história humana. Shemini Atseret é a mais jubilosa das festas bíblicas porque deve ser um vislumbre do Yom Shekulo Tov – o dia inteiramente bom, que durará por toda a eternidade.
Bibliografia:
Rabino e Doutor em Filosofia Shochet, Jacob Immanuel, Living with Moshiach: Shemini Atzeret-Simchat Torah, Kehot Publication Society
“A Deeper Look at Shemini Atzeret / Simchat Torah” artigo publicado no site Chabad.org
“Shmini Atzeret” artigo publicado no site ou.org